O título acima vem da música de uma das representações mais criativas no cenário artístico sergipano, a Banda Reação. Dentro de seu contexto, a música alerta para o perigo que a atividade policial desperta nas comunidades carentes.
Ao contrário do que muitos pensam, esse temor não vem do cumprimento da lei, mas sim do abuso de poder que muitos trabalhadores de farda cometem nos lugares onde não chegam os holofotes da mídia.
Um caso intrigante de violência policial veio às minhas mãos. Um jovem de classe média, estudante, saiu de sua casa para comprar cigarros. Ele morava no Bairro Augusto Franco. Na saída da mercearia se encontrou com um colega de futebol de rua. O adolescente lhe pediu uma carona até o final da rua. Ele parou seu carro calmamente, o jovem saiu, entrou no condomínio e ele continuou seu trajeto. Poucos metros a frente foi interceptado por um outro carro “comum”. O homem sai de dentro falando ao celular e de forma truculenta manda ele colocar as mãos na cabeça. Pronto! Todos, inclusive ele, pensam que se trata de um assalto. Segundos depois, chegam duas viaturas da “Rádio Patrulha”. Ele é tirado do carro, recebe tapa na cara, chutes, é colocado no chão e algemado.
Depois da recepção por parte da PM sergipana, o jovem é colocado no camburão e levado para uma favela localizada em seu bairro e fica exposto ao lado de um casal de jovens. Os três são apresentados algemados como resultado da operação comandada pela Rádio Patrulha contra o tráfico de drogas. A imprensa tira fotos, filma, mas ninguém chega perto para lhe fazer uma única pergunta. Estava acuado, atônito, atordoado sem entender nada do que acontecia.
Termina o show da Polícia Militar e imprensa, o jovem é colocado sob pancada na mala de um veículo Siena da Rádio Patrulha, agora não mais sozinho, mas com a companhia do outro garoto. Algemados, os dois se apertam e recebem spray de pimenta com o porta-malas ainda fechando. Um ato de crueldade sem tamanho.
Foram levados para a sede da Rádio Patrulha. Lá ficaram presos sem imaginar o que poderia acontecer com as suas vidas. O medo e a incerteza tomavam conta da consciência. Passados mais de quarenta minutos, entra um policial e lhe entrega a chave do seu carro e diz que ele está liberado. O casal também foi solto. Ninguém foi levado para delegacia alguma. Ao chegar em casa, a notícia havia se espalhado. Todos o procuravam.
O pior havia passado. Viria agora o muito pior. No dia seguinte, no noticiário televisivo, a matéria anuncia a prisão de uma quadrilha de traficantes na favela do Augusto Franco. O estudante é mostrado de frente em todos os seus aspectos, algemado e sem camisa. Uma imagem que reproduz uma condição de desleixo, maltrapilho, uma imagem para acabar com sua honra. A partir daquele instante seu rosto é o de um traficante. Ele foi denunciado, julgado e condenado à pena de exposição pública e lesão corporal pela Rádio Patrulha sergipana.
A atividade policial não pode ser tratada como algo impossível ao respeito dos Direitos Humanos. A polícia não pode se afastar do seu principal objetivo que é garantir o respeito ao ser humano. Agindo assim, a atividade policial reforça o medo que vem criando ao longo dos anos. Não é por nada que uma criança de 12 anos, relatando a sua história na música Mágico de OZ, da banda de rap Racionais Mc´s, clama: “O meu sonho? Estudar, ter uma casa, uma família. Se eu fosse mágico? Não existia droga, nem fome e nem polícia."
Rodrigo Machado é advogado e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SE.
Rodrigo Machado é advogado e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SE.