terça-feira, 17 de maio de 2011
O conservadorismo do STF e a família homoafetiva.
Hannah Arendt disse que pertencia a uma geração em que tudo aquilo que julgava impossível de acontecer, aconteceu. Essa é a sensação que tomou conta de diversos operadores do Direito no último dia 05 de maio de 2011: O STF reconheceu a constitucionalidade das relações homoafetivas.
Em minha vida de advogado ainda encontro um Judiciário que permeia os caminhos do conservadorismo. A imensa maioria de seus quadros tem origem nas camadas abastadas da sociedade e isso influencia nos seus julgados. Além do mais, uma sociedade machista e homofóbica não teria um Judiciário totalmente afastado desses preconceitos. Mas, nem tudo é pesadelo.
No julgamento da ADI 4377 e da ADPF 132, o Supremo Tribunal Federal comandou uma das maiores mudanças em nosso ordenamento jurídico ao definir a união entre pessoas do mesmo sexo enquanto entidade familiar. Por tal interpretação, a Corte Suprema interferiu no cotidiano de milhares de pessoas, sejam elas homossexuais ou heterossexuais, uma vez que concedeu exatamente os mesmos direitos a todos casais que mantêm uma união estável, independentemente do sexo, e caracterizou como inconstitucional qualquer prática discriminatória.
A decisão do STF deixou o Congresso Nacional em maus lençóis. O Poder Legislativo ficou inerte durante muitos anos sob a pressão de religiosos conservadores e não conseguiu cumprir o seu papel normativo regulamentador. Diante da omissão, coube ao Poder Judiciário dar efetividade aos preceitos constitucionais que vedam qualquer forma de discriminação, a exemplo do artigo 3º que exterioriza como um dos quatro objetivos fundamentais da nossa República a promoção o “bem de todos, sem preconceitos de (...) sexo” e ainda veda “quaisquer outras formas de discriminação”.
O pedido das ações era o de interpretação do artigo 1723 do Código Civil “conforme a Constituição” para a aplicação de que a união estável não pode ser somente reconhecida na relação entre o homem e a mulher. Nos votos dos Ministros do Supremo, o artigo 226 da Constituição Federal foi interpretado extensivamente para dar espaço ao reconhecimento da família homoafetiva. A partir daí, foi reconhecida uma série de direitos dos homossexuais.
No olhar do julgamento da Corte, as normas constitucionais não excluem outra modalidade de entidade familiar. Quando a CF diz no § 3º do artigo 226 que a união estável será reconhecida “entre o homem e a mulher” é uma afirmação que combate o machismo, mas não para identificar proibição, uma vez que como bem ressaltou o Ministro Carlos Britto, relator das ações, “(...) a normação desse novo tipo de união, agora expressamente referida à dualidade do homem e da mulher, também se deve ao propósito constitucional de não perder a menor oportunidade de estabelecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia entre as duas tipologias do gênero humano, (...), tal a renitência desse ranço do patriarcalismo entre nós (não se pode esquecer que até 1962, a mulher era juridicamente categorizada como relativamente incapaz, para os atos da vida civil, nos termos da redação original do art. 6º do Código Civil de 1916);
O STF numa única decisão falou sobre o reconhecimento da união homoafetiva, colocou a homofobia no rol das ilicitudes, abriu caminho para a adoção por casais homossexuais e ainda ressaltou a vontade constitucional de abolir o machismo.
O voto do Ministro Carlos Britto, protagonista de tal julgamento, se transformou em leitura indispensável aos militantes de Direitos Humanos, aos operadores do Direito e aos amantes. É, na verdade, uma carta de amor destinada aos seres humanos. É humanista, fraterno, poético e filosófico. Entrou para o rol dos maiores documentos jurídicos brasileiros.
Carlos Britto teceu amiúde o medo que as pessoas têm ao amor diferente daquilo que é socialmente aceito como natural. Mas, o que é anti-natural no ato de amar indivíduos de mesmo sexo? No Direito, “tudo que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido”. No amor, a regra é bem parecida, tudo aquilo que lhe dá carinho, que lhe faz bem, pode ser trilhado.
Esse é o conservadorismo do STF que pretendo ressaltar de agora em diante. Conservar as garantias do amor, da fraternidade e do respeito ao interesse do outro. Cada um tem a sua forma de amar. E cada ser humano tem o direito de ser respeitado.
Eis um julgamento a ser comemorado por todos que acreditam na transformação de uma sociedade verdadeiramente igualitária. Os nossos problemas dentro do sistema capitalista ainda não acabaram, mas uma parcela de nossos cidadãos está mais feliz. Para eles, a decisão do Supremo representou um arco-íris que se mostra numa bela manhã de sol, sol de liberdade e esperança. A discriminação ainda não acabou, mas nessa batalha ela foi derrotada.
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