As relações familiares estão se modificando dentro de nossa sociedade. Uma das espécies de entidade familiar que vem crescendo bastante na sociedade moderna é a família monoparental. Regulamentada no artigo 226, § 4º da Constituição Federal, tal núcleo é formado por apenas um dos pais e seus descendentes.
Algumas dúvidas surgem acerca de direitos que foram concebidos tendo apenas como modelo a família criada por um homem ao lado da mulher e os seus filhos. Licença paternidade é um exemplo disso. Sem qualquer diferenciação em relação à realidade vivida pelo pai, tal direito foi relegado ao esquecimento por parte do Estado. Tal tratamento deve acabar. Caso clássico de desrespeito acontece quando um homem solteiro adota uma criança.
A Constituição Federal garante o direito à licença maternidade e licença paternidade em seu artigo 7º, XVIII e XIX, mas a Carta Magna não estabelece o período de gozo da licença deferida ao pai. Apenas no artigo 10 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias fica – provisoriamente - estabelecido o prazo de 05 (cinco) dias da aludida licença.
Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição:
§ 1º - Até que a lei venha a disciplinar o disposto no art. 7º, XIX, da Constituição, o prazo da licença-paternidade a que se refere o inciso é de cinco dias.
Essa é a única normatização acerca do prazo da Licença Paternidade, no entanto, não se relaciona com o caso em tela, pois aqui não estamos a tratar da licença paternidade comum, mas sim de Licença Paternidade destinado a pai solteiro. Para chegarmos ao deslinde da questão e à confirmação de que se trata de modalidade distinta de Licença Paternidade será necessária uma averiguação acerca da natureza jurídica de tal benefício.
A Licença Paternidade é um direito que sempre fora colocado em patamar secundário de importância. Dentro da cultura machista que domina nossa sociedade, o papel de educar os filhos sempre coube à mulher. O papel destinado ao homem dentro de uma sociedade fundada num modelo patriarcal sempre fora o de mantenedor da casa. Essa manutenção estaria ligada apenas aos aspectos financeiros. O homem poderia ficar alheio às exigências do cotidiano de afetividade e educação dos filhos. Tais tarefas pertenciam apenas à mulher.
Mas, até essa proteção com o estabelecimento da licença maternidade, iniciado pela conveniência na delegação de exclusividade das tarefas domésticas, não foi dado de bandeja ao público feminino. O momento da maternidade nem sempre fora respeitado, com diversos relatos históricos de mulheres trabalhando em condições que agrediam a sua gestação. Seria absurdo destinarmos a conquista da licença maternidade como uma doação ao público feminino. Não. Não foi. Foi mais uma conquista das reivindicações trabalhadoras após uma história de exploração feminina.
Embora tenha sido um direito conquistado pelas mulheres, a Licença maternidade não é um direito destinado apenas às mulheres. O lapso temporal indicado enquanto afastamento das atividades profissionais é também um direito da criança. Aliás, está plenamente correto afirmar que a licença maternidade tem como escopo principal a proteção da criança. Ao contrário do que se imagina, o período de licença maternidade não é apenas destinado à recuperação da mãe.
Tal definição tem origem na doutrina da proteção integral definida pela Constituição Federal em seu artigo 227:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
O que se deve deixar bem frisado é que se trata de um DEVER do Estado proporcionar todas as garantias fundamentais ao desenvolvimento humanitário da criança, à formação plena de um ser humano hígido. Esse aparato principiológico de direitos encontra amparo imperativo no capítulo dos Direitos Sociais insertos na Constituição Federal.
Assim reza o art. 6º, CF/88:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
E nessa toada, levando-se em consideração o consagrado princípio da isonomia (art. 5º, caput, CF), não se deve jamais restringir a proteção somente à “maternidade”.
Constituindo-se, hodiernamente, na concepção mais progressista e humanística da matéria, tanto maternidade quanto paternidade na adoção, inserindo-se também a família monoparental. Todas essas hipóteses enquadram-se no instituto da entidade familiar, o núcleo social e afetivo onde se exerce o poder familiar.
E é exatamente na não distinção dos iguais, no tratamento paritário dos desiguais que se debruça tal pleito administrativo e sua razão meritória jurídica. O princípio da isonomia ínsito no art. 5º, caput, e inciso I, da Constituição Federal, no patamar de cláusula pétrea e direito fundamental, assim delimitado:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
O direito em destaque é mais uma das hipóteses de consolidação da norma constitucional. O período destinado à mulher trabalhadora é o momento de interação física e psicológica da mãe com o seu filho. É instante destinado ao acompanhamento da saúde da criança, do seu desenvolvimento e de sua personalidade iniciante. É durante esse convívio mais próximo e integral que uma mãe saberá os hábitos do infante, a exemplo do que gosta de comer, a hora que dorme, como reage a determinados remédios ou até mesmo se possui algum tipo de alergia. Os primeiros contatos serão definidores para toda uma vida em família.
As razões de uma proximidade maior, em regra, do filho ou filha com a sua mãe, em detrimento do papel masculino, não é advinda apenas por aspectos biológicos, mas também culturais. A cultura ocidental reforça uma suposta superioridade materna no cuidar da criança. Essa distinção irracional, como dito anteriormente, é feita em benefício do homem e em detrimento da mulher, uma vez que delega o papel dos cuidados para com os infantes apenas à mulher. Essa não é a vontade da Constituição ao garantir que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”.
O §5º do artigo 226 da CF ainda explicita no mesmo sentido:
§ 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
Um único aspecto biológico que justifica a diferença de tratamento dado ao homem em prol do direito concedido às mulheres é a amamentação. Ainda sob o prisma da proteção integral destinada às crianças, existe justificativa para se diferenciar a Licença Maternidade da Licença Paternidade em relação ao infante que necessita do leite materno. O que não é o caso da criança adotada.
Primeiramente, é importante trazer ao presente escrito que o pai solteiro e sua criança são reconhecidos enquanto entidade familiar, nos termos do §4º do artigo 226 da CF e gozam de toda a proteção do Estado. Uma entidade familiar, portanto, com a ausência de uma mãe.
O Estatuto da Criança e do Adolescente afirma em seu artigo 42 que poderá ser adotante “os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil”. A adoção em tela está amplamente consolidada na legislação e na realidade brasileira, no entanto, as consequências pragmáticas da aplicação de tal direito ainda necessitam de ampla regulamentação.
A Licença Paternidade de pai solteiro não pode ser interpretada como a Licença Paternidade comum, concedida em paralelo com a Licença Maternidade. As diferenças evidentes fazem com que a sua aplicação legalista signifique tratamento inconstitucional, posto que trata-se de direito da criança e esta não poderá sofrer discriminação e perder esse momento de interação com a pessoa encarregada do Poder Familiar, seja um homem, seja uma mulher.
No caso da adoção, assim trata a CLT sobre a concessão de licença maternidade às adotantes:
Art. 392 - A empregada gestante tem direito à licença-maternidade de 120 (cento e vinte) dias, sem prejuízo do emprego e do salário.
Art. 392-A. À empregada que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança será concedida licença-maternidade nos termos do art. 392, observado o disposto no seu § 5º.
Na redação anterior, a Consolidação das Leis do Trabalho definia prazos diferentes para a Licença Maternidade a depender da idade da criança adotada. Tal diferenciação fora explicitamente revogada. Vejamos a legislação retirada do ordenamento jurídico:
§ 1o No caso de adoção ou guarda judicial de criança até 1 (um) ano de idade, o período de licença será de 120 (cento e vinte) dias. (Revogado pela Lei nº 12.010, de 2009).
§ 2o No caso de adoção ou guarda judicial de criança a partir de 1 (um) ano até 4 (quatro) anos de idade, o período de licença será de 60 (sessenta) dias. (Revogado pela Lei nº 12.010, de 2009).
§ 3o No caso de adoção ou guarda judicial de criança a partir de 4 (quatro) anos até 8 (oito) anos de idade, o período de licença será de 30 (trinta) dias. (Revogado pela Lei nº 12.010, de 2009).
A Lei 12.010/2009, que estabeleceu todo o sistema atual da adoção, revogou a diferenciação de períodos de licença maternidade distinguidos pela idade da criança. Tal norma ainda estabelecia o teto de oito anos para a concessão do benefício, o que contrariava o Estatuto da Criança e do Adolescente e a própria Constituição Federal que não definiu tipos diferentes de crianças ou jovens.
De acordo com o ECA, “Considera-se criança(...) a pessoa até doze anos de idade incompletos” e qualquer tratamento discriminatório por idade é vedado pelo ordenamento jurídico brasileiro no artigo 3º, IV, da CF.
A jurista Maria Helena Diniz conceitua (1995, p. 282):
A adoção vem a ser o ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consangüíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que geralmente lhe é estranha.
A criança a adotada, em via de regra, não conhece anteriormente o adotante. A relação familiar vem ao mundo a partir de regras de Direito, mas impera o total desconhecimento das regras da vida, das regras do amor. Apenas a convivência poderá delinear qual a verdadeira relação surgirá a partir daí. Esse momento de interação além do período comum, tal qual se define enquanto licença maternidade é crucial para a criança.
Ao contrário da gestante, no caso da Licença Maternidade deferida à adotante, não se justifica qualquer diferencial em relação ao homem e sua Licença Paternidade. Aqui não entra o aspecto biológico da amamentação enquanto fator consubstanciador de diferenciação lícita.
Sem sombra de dúvida, torna-se medida constitucionalmente imperativa a concessão de licença paternidade ao pai solteiro, adotante único, nos mesmos prazos e condições da Licença Maternidade, nos termos dos artigos 392 e 392-A da CLT. O instituto da adoção não se restringe somente às mulheres. Sendo assim, deve também ser assegurado ao pai adotante solteiro esse período de licença sem prejuízo do seu salário.
Tal interpretação não traz matéria inédita em sua caracterização da Licença Paternidade. Nesse mesmo sentido foi aprovado pelo Senado Federal o PLS 165/2006 que modifica a CLT para introduzir o princípio da isonomia à Licença Paternidade em relação à maternidade. De acordo com a proposta aprovada no Senado assim ficaria a redação do artigo celetista:
Art. 393-A. Ao empregado é assegurada a licença-paternidade por todo o período da licença-maternidade ou pela parte restante que dela caberia à mãe, em caso de morte, de grave enfermidade, ou do abandono da criança, bem como nos casos de guarda exclusiva do filho pelo pai.
Art. 393-B. O empregado faz jus à licença-paternidade, nos termos do art. 392-A, no caso de adoção de criança, desde que a licença- maternidade não tenha sido requerida.
Tal projeto está em tramitação, no entanto, a sua base é a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente, normas em pleno vigor e que vedam tratamento discriminatório da criança adotada para o filho biológico e da mulher em relação ao homem.
Visando sempre o Melhor Interesse da Criança, consagrado pelo ECA e o direito à convivência familiar, garantido pela Constituição, é de extrema importância esse convívio inicial integral, tanto para a criança como para o adotante e nos exatos termos do que diz a legislação.
Ademais, aplicando-se o Princípio da Isonomia e o da Igualdade entre os sexos, ambos presentes no artigo 5º da Lei Maior, não há que se fazer distinção para a concessão da licença ora pretendida, visto que o adotante é sozinho para cuidar da criança.
Além de tudo o que fora exposto, leva-se em consideração a idade da criança adotada. Aos 09 anos de idade as chances de uma criança ser adotada são bastante remotas. É público e notório que a cultura ocidental estabelece uma predileção pela adoção de crianças com menos de 01 anos de idade, onde aquele ser humano guardará menos traços e laços com o mundo de sofreguidão vivido pelo abandono e estará mais facilmente adaptado ao novo lar. O pai que adota uma criança com idade avançada decide também enfrentar esta difícil circunstância.
A atitude da adoção tardia não deve ser apenas respeitada com a igualdade de tratamento. Ela deve ser encarada não como uma adoção comum, mas sim como uma atitude trilhada sobre o caminho do interesse público. O adotante nas condições apresentadas no processo administrativo em apreço escolheu o caminho incerto e nebuloso de iniciar uma convivência com alguém que já tem uma pequena história de vida, ou melhor, uma história de sofrimento pela ausência de uma família. Tal convivência não será fácil. A adaptação irá requerer muita dedicação e muito amor. O mínimo que o Estado pode fazer numa situação de tamanha grandeza pessoal e abdicação particular é deferir tratamento igualitário ao da mulher.
O ECA afirma que “toda criança tem direito a ser criado e educado no seio da sua família”. Toda criança tem, além disso, o direito de tentar ser feliz. A relação mantida nessas circunstâncias representa isso, a busca pela felicidade.
Por todo arcabouço jurídico exposto resta a pertinência lógica de que a concessão integral da Licença Paternidade ao pai nos mesmos moldes da Licença Maternidade destinada à mulher adotante, ou seja, durante o período de 120 dias de acordo com o artigo 392 da CLT é um dever estatal. É um compromisso com o Direito e a justiça. É compromisso com a sociedade.
RODRIGO MACHADO é advogado atuante no ramo do Direito Público.